Eles, o rapaz e o cachorro

Um cachorro
Um rapaz
Benício, seu nome
Pastor Malinois
Chegou, ainda filhote, pro rapaz, cheio de gracinhas,
Impossível não sentir
Uma brisa de alegria
Brincavam, corriam, rolavam
Os laços cresceram juntos com eles
Altivos, elegantes, ágeis, indomáveis, inquietos
Um à sombra do outro
Reconheciam-se pelo cheiro
Ele gostava de dormir com e nas roupas do seu dono, já usadas de fim de dia
Quintal verdinho, corria pra lá e pra cá, assustado sempre!!
Gostava mesmo de espiar dentro da casa, só pra vê-lo
Se abraçavam como dois humanos
Vinha de mansinho e, de repente, já no colo
Esquisito, ele já tão grande, se aconchegava ali, ficava imóvel, tentando congelar o instante
Se olhavam profundamente
Se entendiam num relance
Havia um quê de obsessão
Ambos passionais
Felizes, simplesmente
Teimosos por demais
Os dois, bonito de ver…
Jovens, fortes, saudáveis, esbanjavam tudo
Vida a perder de vista
Um dia, como outro qualquer, tomaram o café da manhã, como de costume
Na saída pro trabalho
Um último olhar, não reconhecido, despediram-se
Cada um no seu canto…
Do nada, começou
Festins desordenados
Bambus secos queimando, o quintal ao lado

Estalidos agudos e altos, intermináveis
Ele só, audição aguçada, medo, pânico
Desespero, adrenalina? Muita…
Pavor, os tiros não paravam, se multiplicavam
Assim, soltou-se da coleira num movimento fatal, com certeza com muita dificuldade e esforço, ainda correu desvairado, mas…
Partiu, precocemente, lá no cantinho, escondido
Deixando a impressão de história inacabada
Sem vida, o rapaz o encontrou
A camisa vermelha usada da noite anterior no chão
Coração, como os bambus secos estalando, queimou e gritou
Carregou com todo cuidado o amigo, como se vida ainda tivesse
Já não respirava, olhos apagados, já não suplicava seu colo
A ração, o restinho da água, lembrava a rotina
Sepultou, incrédulo
Vida e morte juntas, seu amigo
Peito abafado
Limite humano e da vida
Leis do universo
Agora, viver sem ele!
Trabalhar a saudade
Escutar o silêncio
Não ouvir seu movimento
Não sentir seu olhar
Não viver mais sua presença naquele espaço físico da casa com quintal
O amor sempre pede coragem da gente?
Amar de novo?
Leis do universo
Agora, viver sem ele!
Trabalhar a saudade
Escutar o silêncio
Não ouvir seu movimento
Não sentir seu olhar
Não viver mais sua presença naquele espaço físico da casa com quintal
O amor sempre pede coragem da gente.
Amar de novo?

Poema que está no meu livro Céu – Quinta Estação, que será lançado em breve.

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Lúcia Fenelon

Médica cardiologista, poetisa, observadora de pássaros e da natureza🌷🦆

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